Vontade do Legislador ou Vontade da Lei: “voluntas legis e o voluntas legislatoris”

Compreender a ciência do direito com base no conhecimento da lei, e como a lei é criação do legislador, ao interpretar a lei compreender o pensamento do legislador, saber o momento em que a lei é criada, o que se privilegia nos métodos de interpretações. Verificar o “voluntas legis e o voluntas legislatoris”.

A voluntas legis é a vontade do texto da lei, e a voluntas legislatoris é a vontade do legislador, expressa em lei. Na interpretação, o aplicador deve analisar a vontade da lei, aquilo que do texto pode ser extraído independente da vontade do legislador.

  • “Voluntas legislatoris” – vontade do legislador – doutrina subjetivista.

Voluntas legis – voluntas legislatoris.

voluntas legis e o voluntas legislatoris

Como a ciência do direito se baseia no conhecimento da lei, e como a lei é criação do legislador, interpretar a lei significa compreender o pensamento do legislador.Privilegia-se o momento em que a lei é criada, o que significa que se privilegia o método histórico de interpretação, que procura reconstruir as circunstâncias que levaram à criação da lei. A preocupação da doutrina subjetivista é preservar o sentido original, próprio da norma, o que não acontece, segundo ela, quando se permite ao intérprete adaptar o sentido da norma ao que ele, intérprete, entende ser uma situação de mudança social, como defende a doutrina objetivista. Aos olhos da doutrina subjetivista, essa “manipulação” do sentido da norma é suspeito, pois a vontade do intérprete se tornaria mais importante do que a do legislador. Ao se depender da opinião do intérprete, a segurança e a certeza jurídica seriam afetadas.

  • “Voluntas legis” – vontade da lei – doutrina objetivista.

Uma vez criada, a norma desliga-se da vontade do legislador que a criou, no sentido de que o seu sentido será dado pelas circunstâncias do momento em que ela é interpretada (e aplicada), momento posterior ao da criação da lei.

Para a doutrina objetivista, é inútil buscar a vontade do legislador, pois o legislador é um órgão colegiado – no Brasil, por exemplo, o Código Civil é uma lei federal, foi aprovado por 513 deputados federais e 81 senadores, o que torna impossível investigar a vontade de 594 pessoas.

Além disso, é preciso levar em consideração os fatores objetivos (econômicos, sociais, por exemplo) que influenciam as mudanças na sociedade, o que provoca um ajuste da norma a situações modificadas ou novas. O direito é vivo, ele não pode ficar engessado por uma pretensa vontade que o tenha criado, muitas vezes, há décadas, quando as circunstâncias históricas eram bem diferentes do momento em que ocorre a sua interpretação e aplicação.

Essa disputa não é passível de ser resolvida. Trata-se de uma tensão própria ao direito, na medida em que, uma vez criada, a lei deve ter uma permanência no tempo (se a lei for constantemente alterada, torna-se praticamente impossível às pessoas tomar conhecimento e cumprir os deveres jurídicos; sem se falar no problema de estudar o direito, cujo conteúdo é sempre diferente toda vez que a ele se retorna). Na medida em que as palavras da lei se mantêm ao longo do tempo, a sociedade encontra-se em constante modificação, o que significa dizer que, pelo menos em tese, a distância entre o texto da lei e a realidade ao qual deve ser aplicado vai aumentando com o passar do tempo.

Tome-se o seguinte acórdão, no qual ocorreu a interpretação segundo a vontade do legislador:

Processo: APL 00063301920098190058 RJ 0006330-19.2009.8.19.0058

Relator(a): DES. MARIA SANDRA KAYAT DIREITO

Julgamento: 20/03/2012Órgão Julgador: QUARTA CAMARA CRIMINALPublicação: 25/05/2012 14:18Parte(s):

Apelante: DERCILIO RIBEIRO ALVES e Apelado: MINISTERIO PUBLICO.

EMENTA: APELAÇÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER LESÃO CORPORAL E AMEAÇA ARTIGO 129, § 9° E ART. 147, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL CONDENAÇÃO PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO INSTITUTOS DESPENALIZADORES PRÓPRIOS DA LEI 9.099/95 NÃO SE APLICAM ÀS HIPÓTESES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER A VONTADE DO LEGISLADOR FOI A DE PROTEGER A MULHER CONTRA QUALQUER TIPO DE VIOLÊNCIA, SEJA CRIME OU CONTRAVENÇÃO, PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR E PUNIR SEVERAMENTE A CONDUTA DAQUELE QUE DESAFIAR O COMANDO PROIBITIVO ESTATAL ASSIM SENDO, TRATANDO-SE DE INFRAÇÃO PENAL COMETIDA COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER, DEVEM SER VEDADOS OS BENEFÍCIOS DA LEI9099/95. – MÉRITO PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DA INFRAÇÃO PENAL QUE AFASTA O PLEITO DE ABSOLVIÇÃO RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.ck;mso-themecolor:text1′>Publicação: 25/05/2012 14:18Parte(s): Apelante: DERCILIO RIBEIRO ALVES e Apelado: MINISTERIO PUBLICO.

O apelante foi condenado à pena de 04 meses de detenção em regime aberto porque agrediu sua esposa Aparecida com um cabo de vassoura, enforcando-a com as mãos e ameaçando matá-la com uma faca, vindo a causar as lesões descridas no AECD (fl. 25 doc. 02). Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, não é possível a aplicação dos institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, por haver expressa proibição legal no artigo 41 da Lei 11.340/06. Demais disso, o legislador resolveu dar tratamento mais severo aos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, considerando a desigualdade entre a vítima e o agressor, não podendo considerar crimes dessa natureza como sendo de menor potencial ofensivo. RECURSO DESPROVIDO.

A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) afastou a aplicação da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) aos crimes praticados mediante violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre eles a lesão corporal leve. A Lei dos Juizados Especiais Criminais permite uma série de benefícios ao réu, como a composição civil (art. 74), a transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

Houve o entendimento de que a proibição de se conceder tais benefícios ao réu acusado de praticar violência contra a mulher seria inconstitucional, ou então de que, havendo conflito de normas, deveria se conceder àquele réu os referidos benefícios.

Na decisão acima analisada, privilegiando-se a vontade do legislador, que foi a de proteger a mulher de qualquer agressão doméstica, mesmo que seja a mais leve agressão, esses benefícios não devem ser concedidos aos réus acusados de praticar violência doméstica contra a mulher, como determina a própria Lei Maria da Penha.

Tome-se o seguinte acórdão, no qual ocorreu a interpretação segundo a vontade da lei:

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosÓrgão: PRIMEIRA TURMA CRIMINALClasse:

RCL – RECLAMAÇÃON. Processo : 2009 00 2 007053-5

Reclamante: MINSTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Reclamado: JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL, DO TRIBUNAL DO JÚRI E DOS DELITOS DE TRÂNSITO DE SANTA MARIA – DF

Presidente e Relatora: Desembargadora SANDRA DE SANTIS

Relator Designado: Desembargador MARIO MACHADO.

EMENTA: PROCESSO PENAL. RECLAMAÇÃO. ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. ARTIGO 212DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INTERPRETAÇÃO. NULIDADE ALEGADA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO, ESSENCIAL AO RECONHECIMENTO DE NULIDADE, SEJA ELA ABSOLUTA OU RELATIVA. JURISPRUDÊNCIA REITERADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

No processo de interpretação, em que objetiva o intérprete alcançar a vontade determinável da lei, delimitando o sentido possível que tenha ela, releva a vontade não do legislador (voluntas legislatoris), mas a da própria lei (voluntas legis). Nenhum dispositivo legal existe isoladamente, pelo que toda interpretação, operada a começar da literalidade linguística do texto, deve ser lógico-sistemática, isto é, tem de buscar a vontade da norma, mas entrelaçada e consonante com as demais normas e princípios do sistema que ela integra. O sistema do Código de Processo Penal prestigia inicie o juiz a inquirição das pessoas que devam depor (artigos 188, 201 e 473), não havendo porque ser diferente em relação às testemunhas. A interpretação sistemática conduz a que continue o juiz a perguntar primeiro. Posição do relator designado, vencida.

A norma, posta no artigo 563 do Código de Processo Penal, agasalha o princípio pas de nullité sans grief: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. A demonstração de prejuízo é requerida para a declaração tanto de nulidade absoluta como de relativa. É da jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal que “o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades – pas de nullité sans grief – compreende as nulidades absolutas” (HC 81.510, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12/04/2002; HC 97.667, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe de 25/06/2009; HC 82.899, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe de 25/06/2009; HC 86.166, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ de 17/02/2006).

Em nenhum momento explica a reclamação onde o prejuízo causado à acusação ou à defesa pelo fato de o juiz haver iniciado as perguntas às testemunhas ouvidas. Afinal, ele poderia, depois das partes, fazer as mesmas perguntas. Não há a menor evidência de que as testemunhas mudariam suas respostas, se as mesmas perguntas fossem feitas primeiro pela acusação ou pela defesa, ou se o juiz fizesse as mesmas perguntas depois das das partes. Estas, repise-se, tiveram a oportunidade de perguntar o que desejaram, sem prejuízo algum.

  • O que se deu foi nova redação do artigo 212 do CPP.
  • Redação anterior:

“Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.

  • Redação atual:

“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Foi alterada a forma de indagar à testemunha. Antes as partes requeriam as perguntas ao juiz, que, intermediando, as formulava à testemunha. Agora fazem as partes as perguntas diretamente à testemunha, desaparecendo a intermediação do juiz, que apenas fiscaliza.

Alegou-se nulidade da ação penal porque as perguntas deveriam ter sido feitas, inicialmente, pelas partes, acusação e defesa, para que, depois, possa o magistrado, se o caso, completar a inquirição.

Pela vontade da lei, contudo, a ordem das perguntas não é, por si só, causa de dano a ensejar nulidade.

Em relação ao acusado, prescreve o artigo 188 que o juiz fará o interrogatório e, depois dele, as partes poderão solicitar esclarecimentos. Quanto ao ofendido, o Código, na nova redação do artigo 201, dada também pela Lei nº 11.690/2008, limita-se a dizer que “será qualificado e perguntado”. Não se controverte quanto a que pelo juiz. Malgrado a norma não preveja perguntas das partes, estas devem ser admitidas, depois das do juiz, em atenção ao princípio constitucional do contraditório.

Em nenhum momento explica a reclamação onde o prejuízo causado à acusação ou à defesa pelo fato de o juiz haver iniciado as perguntas às testemunhas ouvidas. Afinal, ele poderia, depois das partes, fazer as mesmas perguntas. Não há a menor evidência de que as testemunhas mudariam suas respostas, se as mesmas perguntas fossem feitas primeiro pela acusação ou pela defesa, ou se o juiz fizesse as mesmas perguntas depois das das partes. Estas, repise-se, tiveram a oportunidade de perguntar o que desejaram, sem prejuízo algum.

Referências

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.

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