Escola da Exegese: Positivismo jurídico ideológico
Escola da Exegese: Positivismo jurídico ideológico
Propor ao aluno uma visão crítica de que os positivistas ideológicos tomam a lei como a expressão do próprio direito, inexistindo direito além da lei. Lei é sinônimo de direito e, se outras fontes do direito são eventualmente admitidas, é justamente porque assim a lei determina.
O Positivismo Jurídico ideológico é a doutrina que defende o dever de obedecer à lei, qualquer que seja o seu conteúdo. Muitos autores que se filiaram à teoria do Positivismo Jurídico não se filiaram ao Positivismo Jurídico Ideológico.
Exemplo:
Alf Ross, Herbert Lionel Adolphus Hart, Norberto Bobbio – a posição de Hans Kelsen é ambígua, em virtude do seu conceito de validade, conceito muito criticado pelos demais autores positivistas. Ainda assim, seria mais apropriado entender que ele não defendeu a tese do positivismo ideológico. Deve-se, portanto, fazer uma distinção entre:
- Positivismo Jurídico como uma teoria que considera o direito como fato e não como valor (o que está em jogo é o conceito de direito): uma norma jurídica existe (vale) porque foi criada e imposta por quem detém o monopólio da violência numa determinada sociedade. O que caracteriza o direito não é a justiça da disposição das suas normas, mas a coatividade, a força para fazê-las cumprir. Por meio da teoria positivista é possível identificar quais são as normas jurídicas dentre as mais variadas normas sociais (normas morais, religiosas, de etiqueta).
- Positivismo Jurídico como uma teoria da obediência (o que está em jogo não é o conceito de direito, mas uma obrigação moral): deve-se obedecer às normas jurídicas independentemente do conteúdo das suas disposições (“a lei é a lei”; “a lei é dura, mas é a lei”).Os principais autores positivistas do século XX não aderiram ao positivismo ideológico porque estavam preocupados com os aspectos conceituais do direito, estavam preocupados em definir o que é o direito e, com isso, identificar as normas jurídicas. Já o problema de obedecer ou não ao direito não é um problema jurídico, não é um problema da ciência do direito, mas um problema de natureza moral. Por mais que se encontre a justificativa da obediência de uma norma jurídica em outra norma jurídica e assim por diante, chegará o momento em que as normas jurídicas se esgotarão e a pergunta ainda permanecerá. Justamente porque a sua resposta depende de uma consideração de ordem moral, consideração esta que foge ao escopo daqueles autores positivistas como Ross, Hart e Bobbio.
No século XIX, no entanto, os positivistas foram em sua grande maioria também positivistas no sentido ideológico, O Positivismo Jurídico torna-se o paradigma dominante da Filosofia do Direito na modernidade, já que é na modernidade que se consuma a monopolização da produção jurídica pelo Estado: o Estado se torna o único centro produtor de norma. E, nos países da família romano-germânica (França, Itália, Espanha, Portugal, Brasil, Argentina etc.), o Estado monopoliza a produção jurídica na forma da legislação.
Ocorre, então, uma identificação entre direito, lei e Estado. Se, no início, foram os teóricos da moderna Ciência Política que associaram direito, lei e Estado, foi principalmente com a Revolução Francesa (1789-1799) que se concretizou tal associação. Na Idade Média, havia uma pluralidade de centros produtores do direito (os senhores feudais, as corporações, a Igreja, o rei, as cidades livres etc.), bem como uma pluralidade de fontes do direito (o direito germânico, o romano, o canônico, as cartas das cidades etc.). A autoridade política não tinha a pretensão de estabelecer o direito – não tinha nem mesmo as condições política para tanto. Ela era mais o garantidor de uma ordem jurídica preexistente a ela mesma: ela diz o direito que é anterior a ela e, até mesmo, o direito que a constitui enquanto autoridade. Com a modernidade, o soberano (seja um monarca ou uma assembleia, como nas democracias) é autoridade criadora de um sistema normativo artificialmente produzido por meio da legislação.
Na França, em 1804, é promulgado o Código Civil francês, chamado Código de Napoleão em virtude do empenho do Imperador francês, Napoleão Bonaparte, para a sua elaboração. Esse código, que não é o primeiro código europeu da Era Moderna, será responsável pela onda de codificação do direito, durante os séculos XIX e XX, onda que alcança o Brasil, independente em 1822, que passa a elaborar o seu código. Ao derrotar o Antigo Regime, a Revolução Francesa operou uma grande mudança na política e no direito:
- O fundamento da legitimidade do Estado deixou de ser o plano divino e passou a ser a vontade da nação;
- O povo elege seus representantes que elaboram as leis (a lei é a racionalização das vontades individuais);
- A lei garante a liberdade: liberdade não significa “fazer o que quiser”;
- Liberdade significa autonomia, a capacidade de dar a si mesmo a lei de acordo com a qual se deve agir, e as pessoas agora se podem dizer livres porque elas indiretamente fazem as próprias leis – indiretamente porque o fazem por meio dos seus representantes;
- A lei garante a igualdade (formal): uma mesma lei vale para todos e todos são iguais perante a lei. No Antigo Regime, havia os privilégios (a palavra significa “lei privada, particular”: se as pessoas não eram consideradas como iguais, por que haveriam de obedecer a uma mesma lei?), e eles foram extintos;
- A lei é genérica e abstrata: ao não se aplicar a uma pessoa, mas a uma classe de pessoas (aos eleitores, aos empregadores, aos consumidores, aos maiores de 18 anos, etc.), é a lei que garante um aspecto importante da justiça, que é o da igualdade formal;
- Ao se aplicar a uma classe de ações (matar alguém, votar, contratar etc.), é a lei que garante a certeza e a segurança jurídicas, permitindo que as consequências das nossas ações sejam previstas.
Por todas essas razões, os positivistas entendiam haver uma obrigação de obedecer ao direito: é o direito que garante a ordem, a estabilidade das relações sociais, e desobedecer ao direito significa se colocar acima da lei (o que viola o ideal de igualdade) e impor aos demais o arbítrio da própria vontade (o que viola a liberdade dos demais). A teoria liberal do Estado, que está por detrás do positivismo ideológico, foi questionada durante o próprio século XIX, especialmente com o aparecimento da teoria de Karl Marx, que traz outra visão a respeito do Estado e do direito. As experiências totalitárias do século XX, como o nazismo e o stalinismo, mostram claramente como o Positivismo Jurídico ideológico é inaceitável.
A questão que hoje se coloca nos Estados Democráticos é a de saber em que condições de dizer que alguém tem o direito de resistir, de desobedecer a uma lei democraticamente elaborada. Para alguns, tal comportamento seria ilegal; para outros, há um direito de resistência contra uma lei que descumpre o papel que a lei deve ter que é o de realizar a justiça. (Caso do povo nas ruas após a eleição do Lula em 2022)
Referências
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
KELSEN, Hans. A Teoria Pura do Direito. São Paulo: Atlas, 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.