Hermenêutica: razões do uso dessa teoria no Direito e entender o seu conceito
Conceito de Hermenêutica
Fornecer ao aluno o entendimento da etimologia da palavra Hermenêutica , quais são as razões do uso dessa teoria no Direito e entender o seu conceito.
Conceito de Hermenêutica:
A palavra Hermenêutica é derivada do grego “hermeneuein” e acabou adquirindo diferentes sentidos ao longo da história. Ela é normalmente entendida como a teoria da interpretação e, nesse sentido, é muitas vezes usada como sinônimo de exegese. Se a exegese se concentra na interpretação de textos, a Hermenêutica vai adquirir uma abrangência maior, incluindo a análise não apenas dos textos, mas também e de manifestações não verbais, como uma pintura, uma escultura. É bastante difundida a ideias de que a palavra tenha como referência Hermes, um dos deuses olímpicos, filho de Zeus e de Maia – quando os romanos dominaram a Grécia, Hermes foi assimilado ao deus Mercúrio.
Para os gregos, Hermes era o deus dos rebanhos, da magia, das estradas e das viagens, dos ladrões, dos comerciantes, dos diplomatas, da eloquência, o guia das almas dos mortos para o Hades e também o mensageiro dos deuses. Muito do que a Hermenêutica representa está presente na mitologia grega, por exemplo, ao considerar Hermes o inventor da linguagem e da fala. Quando se fala, não se diz apenas a verdade, mas também a mentira. Ao falar, o comerciante pode convencer o cliente a comprar o seu produto por ser um bom produto, mas também pode trapacear o consumidor. No diálogo “Crátilo”, o mais antigo tratado sobre a linguagem da cultura ocidental, Platão diz que as palavras têm o poder de revelar ou de esconder a realidade, levando ou à verdade ou à falsidade.
E, muitas vezes, as mensagens assumem formas ambíguas, o que era retratado pelo deus Hermes. Nesse diálogo, é discutido o significado do nome do deus Hermes, a saber, “aquele que preside os discursos”. A própria dimensão da fala apresenta um caráter múltiplo: ao falarem, as pessoas não se referem apenas às coisas do mundo, mas também podem se referir à própria fala ou à fala de terceiros, para explicá-la, para deturpá-la, para interpretá-la. Por meio da representação de Hermes como o mensageiro dos deuses, do responsável pela transmissão de uma mensagem dos deuses aos mortais (isto é, aos homens), temos a ideia de uma atividade de interpretação.
Os deuses dizem algo aos mortais; mas nós, mortais, somente temos acesso àquilo que é dito (transmitido) por Hermes. Em outras palavras, Hermes diz o que os deuses disseram. Há uma sucessão de falas e o sentido é sempre transportado de uma para outra até o destinatário que, por sua vez, realiza uma operação de entender o sentido do que lhe é dito.A Hermenêutica lida, portanto, com uma tensão entre uma fala (ou um texto) e o sentido dessa fala (ou desse texto). Diante de uma fala ou de um texto existe uma atividade de compreensão do seu sentido e, também, pode existir uma reflexão a respeito do que é exatamente essa atividade de interpretação. Em outras palavras, a Hermenêutica se refere tanto a uma atividade (a de interpretar uma fala, um texto) como a uma teoria a respeito dessa atividade de interpretação.
Vejamos a definição de Hermenêutica que consta nos seguintes dicionários da Língua Portuguesa:
a) Dicionário Aurélio:
1. interpretação do sentido das palavras;
2. Interpretação dos textos sagrados;
3.Arte de interpretar as leis.
b) Dicionário Houaiss:
1. ciência, técnica que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos, especialmente das Sagradas Escrituras;
2. interpretação dos textos, do sentido das palavras; teoria,
3. ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico;
4. conjunto de regras e princípios usados na interpretação do texto legal.
Enquanto teoria, ou disciplina teórica, a Hermenêutica procura discutir problemas como:- o que é interpretar?
Existem regras capazes de orientar a atividade de interpretação?
Existe uma interpretação verdadeira ou jamais se pode atingir a verdade a respeito do sentido de um texto?
Por que a interpretação é uma atividade tão fundamental para nós (interpretamos até mesmo os nossos atos, a nossa própria vida; e muitas pessoas que não encontram um sentido para as suas vidas adoecem física e psiquicamente)?
Na Faculdade de Direito, ao estudarmos a Hermenêutica, privilegiamos a sua dimensão teórica, estudando o que alguns dos filósofos pensaram a respeito da atividade de interpretação, privilegiando a interpretação dos textos legais.
Por que a Hermenêutica é tão importante a ponto de ser uma das disciplinas oferecidas pelas Faculdades de Direito hoje? A partir do século XIX, o direito passou a se identificar com a lei. E a lei nada mais é do que um texto, cujo sentido é ensinado nas faculdades, é debatido pela doutrina, é disputado pelas partes numa ação judicial. Portanto, é preciso que os alunos aprendam as regras e técnicas da atividade de interpretar os textos legais e reflitam sobre essa atividade.O senso comum jurídico separa a teoria da prática, sempre para desmerecer a teoria. Diz-se, por exemplo, que “na prática, a teoria é outra” ou que “isso é muito teórico, não serve para nada”.
Para o senso comum jurídico, bastaria aos alunos o conhecimento das regras e das técnicas da atividade de interpretar os textos legais (a “prática”), sendo desnecessária a reflexão sobre essa atividade (a “teoria”). Afinal, o aluno está sendo preparado para ser um operador do direito, um advogado, um juiz, alguém que tem que saber trabalhar com o direito e não para ser um “teórico”, um “filósofo” – aliás, para o operador, muita “teoria” é prejudicial, pois geram questionamentos, dúvidas que certamente impedirão a eficiência do operador do direito. Cuidado com essa desconfiança a respeito da teoria e da reflexão. Ainda que ele mesmo não reconheça, o senso comum jurídico adota um posicionamento teórico! Ao defender a separação da teoria e da prática, o senso comum jurídico afirma que aplicar o direito é uma atividade como fazer uma cadeira: basta aprender a usar os instrumentos para trabalhar a madeira e seguir um manual de instruções a fim de montar corretamente as peças.
Uma atividade mecânica que dispensa a reflexão a respeito de onde vem a madeira, da finalidade da cadeira ou das condições em que se produzem objetos como as cadeiras. Essas reflexões podem até ser importantes, mas em nada alteram a qualidade da cadeira produzida. Ora, a disciplina Hermenêutica nos mostra como, no caso direito, a separação entre teoria e prática é insustentável. O que o senso comum jurídico chama de “prática” é formado também pela “teoria”, isto é, a maneira como nós compreendemos o direito, o seu sentido, influencia a nossa prática jurídica. E, por outro lado, a teoria jurídica é construída a partir da prática, sendo que uma das suas finalidades é facilitar essa prática, ampliar o seu campo de ação, liberá-la de obstáculos desnecessários.
Referências
FERRAZ, JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5ª Ed. São Paulo Atlas, 2008.
BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ,. José Rodrigo (Orgs) Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.