Interpretação autêntica e não-autêntica

Saber que para Kelsen a interpretação é uma operação mental que se realiza durante o processo de aplicação do direito ao se passar de um escalão superior para um escalão inferior do ordenamento jurídico.

Interpretação autêntica e não-autêntica

Para Hans Kelsen, a interpretação é uma operação mental que se realiza durante o processo de aplicação do direito ao se passar de um escalão superior para um escalão inferior do ordenamento jurídico.

Para ele, há duas espécies de interpretação:

a) Interpretação Autêntica: é a interpretação do direito realizada pelo órgão competente para a Aplicação do Direito (a Administração Pública, os juízes); e

b) Interpretação Não-Autêntica: a interpretação não realizada por um órgão jurídico, mas pelas pessoas em geral e pela Ciência do Direito.

É preciso não confundir essas espécies de interpretação com os chamados métodos de interpretação (o literal ou gramatical, o sistemático, o teleológico etc.) Não se trata de um procedimento mediante o qual se chega a um sentido do dispositivo legal, não se trata de método. Trata-se, sim, de uma espécie de interpretação, a partir de uma classificação que usou como critério quem realiza essa interpretação.

A Interpretação Autêntica cria o direito. Ela é realizada pelos juízes, pelo Legislador, pela Administração Pública.

1º. Pelos juízes e tribunais: ao contrário das escolas positivistas do século XIX, como a Escola da Exegese, o juiz, ao aplicar o direito, não se limita a declarar o direito presente na lei (na norma geral), mas ele cria o direito, ele passa de um escalão superior (lei) para um inferior (sentença). As sentenças constituem normas jurídicas individuais.

 Pelo legislador: ao editar leis ordinárias, o Poder Legislativo interpreta a Constituição. Por exemplo, ao discutir e aprovar um Projeto de Lei que determine a imunidade tributária de uma entidade beneficente, os deputados federais e senadores interpretam a Constituição:

a) tanto para decidir que são competentes para legislar em matéria tributária:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

– direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (…)”

b) quanto para decidir conceder imunidade tributária a uma determinada entidade beneficente:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…)

§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”

 Pela Administração Pública: o Poder Executivo, por sua vez, interpreta uma Lei Ordinária, por exemplo, ao baixar Decreto que a regulamenta.

Por exemplo, em 1996, a Câmara Municipal de São Paulo decretou a Lei nº 12.117, que dispõe sobre o rebaixamento de guias e sarjetas para possibilitar a travessia de pedestres portadores de deficiência.

O Poder Executivo, ou seja, o Prefeito do Município de São Paulo regulamentou essa Lei, por meio do Decreto nº 37.031, de 27 agosto de 1997, determinando:

Art. 1º – O rebaixamento de guias e sarjetas de que trata o artigo 1º da Lei nº 12.117, de 28 de junho de 1996, será realizado em todas as esquinas e faixas de pedestres do Município de São Paulo, com a finalidade de possibilitar a travessia de pedestres portadores de deficiência.

Art. 2º – cabe à Secretaria da Habitação e desenvolvimento Urbano – SEHAB, através da Comissão Permanente de Acessibilidade – CPA, a elaboração de um Programa de Adequação de Vias Públicas, cuja finalidade será, no âmbito das atribuições da referida Comissão, coordenar e desenvolver plano de implantação de rebaixamento de guias e sarjetas, bem assim estabelecer padrões para a melhoria e adequação das condições de trânsito, acessibilidade e segurança nos logradouros públicos, tendo como prioritário o acesso a:

– Terminais rodoviários e ferroviários;

II – Serviços de assistência à saúde;

III – Serviços educacionais;

IV – Praças e centros culturais;

– Centros esportivos;

VI – Conjuntos habitacionais;

VII – Principais vias.

(…)

Já a Interpretação Não-Autêntica não cria o direito, limitando-se a atribuir sentido à norma geral, ou sentidos, já que a norma geral configura uma moldura dentro da qual existem várias normas individuais em potencial.

Essa espécie de interpretação é realizada apenas como ato de conhecimento. E, como é possível encontrar mais de um sentido para as normas gerais, o resultado da Interpretação Autêntica é a moldura.

Ao contrário do que supunha as escolas positivistas do século XIX, como a Escola da Exegese e a Jurisprudência dos Conceitos, a Ciência do Direito, mediante a Interpretação Não-Autêntica, é incapaz de encontrar o “sentido verdadeiro” da norma ou a “decisão correta” para o caso.

Na doutrina, é comum encontrar afirmações como: “não há dúvida de que o verdadeiro sentido da norma é ______” ou “a real vontade do legislador é _______, não sendo possível interpretar o referido dispositivo legal de outra maneira”.

Não se pode proibir o doutrinador de, no seu Curso de Direito Civil Brasileiro, por exemplo, expressar as suas preferências.

Kelsen alerta, no entanto, que o doutrinado não deve se esconder atrás da Ciência do Direito para fazer afirmações que não são científicas, mas, sim, políticas.

O limite da Ciência do Direito é a descrição da moldura, os vários sentidos possíveis de uma norma geral. Não há um único sentido possível, não há uma única solução jurídica possível para o caso, como a própria Ciência do Direito nos mostra.

Quando os doutrinadores sustentam opiniões como essas, estão procurando influir na decisão dos Aplicadores do Direito e já não estão no campo da ciência, mas da Política do Direito.

Referências

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.

MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.

CANARGO, Maria Margarida Lacombe de. Hermenêutica e argumentação. Atlas 2013, São Paulo: 2013.