Costumes: preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico

Costumes

Costume é um dos meios de integração do direito, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.

Costumes

O costume é um dos meios de integração do direito, ou seja, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina:

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Também o art. 126 do Código de Processo Civil se refere aos costumes:

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Se a lei é criada mediante declaração solene por um órgão competente, no costume as normas formam-se espontaneamente. São as pessoas que vivem em sociedade que acabam por criar as normas costumeiras e não o fazem de maneira deliberada, como no caso da criação da lei pelo legislador.

Por essa razão, a criação do costume é difusa, ninguém pode precisar a data em que um costume tenha se formada, tratando-se de um longoprocesso de transformação de um mero hábito em um costume jurídico.

No meio social, muitas condutas se repetem. Quando essa repetição for acompanha pela consciência da sua obrigatoriedade, estamos diante do costume, diante de uma norma jurídica consuetudinária (do latim “consuetudo”, que significa costume).

Nos finais de semana, por exemplo, temos o hábito de comer pizza. Mas essa conduta não configura um costume jurídico, uma vez que ninguém se sente obrigado a se comportar dessa maneira; e, se alguém deixar de comer pizza num final de semana, não será criticado como tendo descumprido alguma obrigação.

Já com relação à fila, as coisas são diferentes: temos o hábito de, chegando por último, tomar o último lugar na fila; e o fazemos porque nos sentimos obrigados. Caso “furemos” a fila, somos imediatamente criticados pelas outras pessoas que estão na fila e sabemos que nossa conduta foi errada.

No direito romano e no direito medieval, o costume desempenhava um papel muito importante, constituindo a principal fonte do direito.

Como as pessoas nascem e crescem no meio de uma comunidade, comunidade que tem os seus usos e costumes, as normas costumeiras aparentam ser normas “naturais”, normas que sempre foram observadas por nós porque ensinadas pelos nossos pais, por exemplo.

Essa normas eram muito consideradas pelo fato de serem criadas pela própria sociedade,que delas se serve para se regular. E, caso o costume viesse a se mostrarinadequado, a própria sociedade trataria de o eliminar.

Foi apenas com o Ilumismo, no século XVIII, que o costume passou a ser duramente criticado como uma maneirairracional de regular a sociedade. De fato, muitas normas costumeiras acabam se tornandoanacrônicas, enrijecendo certas práticas sociais e impedindo o dinamismo da sociedade. A prórpia tradição passou a ser vista com suspeita, acarretando um menosprezo pelo costume.

No século XIX, a lei se tornou a principal fonte do direito e o costume começou a ser aceito apenas nos casos em que não contrarie o que a própria lei dispõe – proibição do costume “cotra legem”.

Mesmo assim, o costume continua uma importante fonte do direito, especialmente para alguns ramos do direito, como o Direito do Trabalho. Muitos dos nossos direitos trabahistas nasceram como normas consuetudinárias, como o décimo-terceiro salário, nascido como gratificação paga pelos empregadores aos seus empregados nos dias que antecediam o Natal.

O costume pode ser:

“Contra legem”: costumes que são contrários à lei. Por exemplo: dirigir falando ao celular.

“Praeterlegem”: costumes paralelos ao que dispõem as leis. Por exemplo, o cheque pré-datado. O cheque é uma modalidade de pagamento a vista. No Brasil, contudo, há o ‘costume’ de utilizar cheques como modalidade de pagamento a prazo.

“Secundumlegem”: costumes conforme a lei. Por exemplo, determina o Código Civil:

Art. 569. O locatário é obrigado:(…)

II – a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar; (…)

Como vimos acima, não é aceito o costume contrário à lei – “contra legem”.

  • Analisemos a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CHEQUE PREENCHIDO COM DATA ERRADA E RETIFICADO NO VERSO. LACUNA DA LEI. APLICAÇÃO DE COSTUMES. CARACTERIZADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO PELA DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Na ausência de direito positivo aplicável à espécie, recorre-se ao chamado direito subsidiário, ou seja, utilizam-se os costumes, a jurisprudência, os princípios gerais do direito, a analogia e a equidade. Assim, ainda que não haja uma norma positiva que obrigue as instituições bancárias a receberem o cheque com data retificada, a reiterada aceitação de tal prática configura-se um costume que tem o condão de legitimar as expectativas da consumidora acerca da validade e regularidade do título. Além disso, a própria FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos – emite, anualmente, um comunicado no qual o hábito é reconhecido. A imposição de exigências em desconformidade com os usos e costumes constitui prática abusiva e representa falha na prestação de serviço, na forma do artigo 39, II do Código de Defesa do Consumidor. O recorrente, embora tenha alegado a regularidade de seus serviços, não comprovou qualquer das excludentes de responsabilidade legais. O dano moral encontra-se configurado pela devolução indevida do cheque. Aplicação da Súmula 388 do Superior Tribunal de Justiça. Verba reparatória fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que não merece ser reduzida, por não ser exorbitante, mas sim irrisória, embora não possa ser majorada por força da vedação à reformatio in pejus. Recurso em confronto com súmula do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Art. 557, caput, do Código de Processo Civil. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.(TJ-RJ – APL: 00113760720128190212 RJ 0011376-07.2012.8.19.0212, Relator: DES. ALCIDES DA FONSECA NETO, Data de Julgamento: 16/01/2014, VIGÉSIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 23/01/2014 15:22)

Não existe norma de direito positiva aplicável ao caso concreto. Desta forma, com base no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,foi aplicado o costume para fundamentar sua decisão.

A Autora emitiu um cheque com rasura na data indicando a data correta no verso, o banco devolveu o cheque em virtude da rasura.

Ela ingressou em juízo pleiteando reparação em virtude da falha na prestação de serviço, ou seja, a não compensação do cheque acarretou prejuízo para Autora. O Banco, em sua defesa, alegou a inexistência de legislação que o obriga a compensar cheques rasurados.

A ação, contudo, foi julgada totalmente procedente sob o fundamento de que a inexistência de norma é suprida pelo costume do mercado em aceitar rasuras nas datas dos cheques, logo, a Autora tinha legitima expectativa da compensação.

Inconformado, o Banco apelou ao TJ-RJ que, em decisão monocrática do Relator Desembargador, Alcides da Fonseca Neto, negou seguimento ao recurso, confirmado a decisão de primeiro grausob os mesmos fundamentos.

Referências

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2013.

MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.