Outras Escolas de Interpretação, formalismo jurídico
Outras Escolas de Interpretação
Compreender que as Escolas em estudo discorriam que: o direito provém do espírito do povo e para conhecê-lo era preciso observar como as pessoas do povo se comportavam observar os seus costumes, que: a defesa do formalismo jurídico entendia que não existem lacunas no direito, que: procuravam se libertar da ciência da rigidez imposta pelo formalismo jurídico.
Outras Escolas de Interpretação
1. Escola Histórica do Direito
O grande nome dessa escola é o de Friedrich Carl von Savigny, que foi um dos mais respeitados e influentes juristas alemães do século XIX. Maior nome da Escola Histórica do Direito, seu pensamento teve grande influência no direito alemão, bem como no direito dos países de tradição romano-germânica, especialmente no direito civil. A Escola Histórica do Direito foi uma escola alemã que floresceu e se desenvolveu durante o Romantismo – aliás, é preciso também lembrar que o próprio Romantismo foi um movimento alemão por excelência. A Escola Histórica e o Romantismo representaram uma reação ao Iluminismo e ao racionalismo, na medida em que se recusa a explicação racional para a formação e desenvolvimento da sociedade, assim como se recusa o otimismo com relação ao Homem e à sua capacidade de organizar racionalmente a sociedade.
Daí surgirá a oposição de Savigny à ideia de codificação do direito alemão, como ocorrera na França com o Código Civil francês, o Código de Napoleão. Aliás, é preciso lembrar que o Código de Napoleão foi aplicado na Alemanha (lembrando que a Alemanha somente se unificará em 1871), ou melhor, na parte da Alemanha ocupada pelos franceses, durante 1806 e 1813.
Em 1806, Napoleão vence as tropas austríacas, o fim do Sacro Império Romano-Germânico é decretado e se forma a Confederação do Reno. Com a sua aplicação, surgem os defensores da necessidade de o direito alemão também se codificar, eliminando-se a sua obscuridade, redundância e complexidade. O grande defensor da codificação foi Anton Friedrich Justus Thibaut (1772-1840).
Para Savigny, a codificação representaria o engessamento do direito germânico. Para ele, o direito, os costumes, a língua de um povo nasce, desenvolvem-se e morrem, pois são organismos, cujo desenvolvimento não pode ser impedido nem controlado racionalmente, já que é o produto de forças irracionais. E, ainda, da mesma maneira que cada povo tem a sua língua, cada povo tem também os seus costumes e o seu direito, que refletem o volksgeist, o espírito nacional do povo.
Da mesma maneira que não faz sentido transplantar uma língua estrangeira para o próprio país, não faz sentido nem importar o direito estrangeiro nem impor um direito racional (o direito natural deduzido da razão, como defendido pelos iluministas) como substituto do direito nacional, o direito alemão formava-se dos usos e costumes locais, de origem germânica, e a lei romana (o “Corpus Juris Civilis”) *coleção de obras fundamentais em jurisprudência, emitidas de 529 a 534 por ordem de Justiniano I, imperador bizantino*.
O trabalho de identificação e estudo do direito alemão não era feito a partir da lei, mas, antes, por juristas que estudavam o direito romano do uso comum. O que Savigny faz é sistematizar esse conhecimento jurídico produzido pelos juristas, a fim de compreender as estruturas jurídicas do direito alemão ao longo do tempo.
Se houver alguma contribuição legislativa a ser dada, ela não deve criar nenhum direito novo, mas dar apoio aquele direito descoberto pelos juristas, diminuindo-lhe a incerteza ou indeterminação. Quando a Escola Histórica fala em direito que revela o “espírito do povo”, é preciso desfazer uma confusão: não se trata de descrever os costumes verificados empiricamente, como se o jurista devesse observar a maneira como os seus concidadãos celebram os contratos nos mercados para daí elaborar as normas do Direito dos Contratos.
Da mesma maneira que um gramático não procura as regras da língua na fala popular, mas nas obras dos escritores que usam a língua para seus romances, poemas, pois é justamente no trabalho dos escritores que a língua alcança o seu grau maior de condensação, de exploração dos seus recursos; será nas obras dos juristas que deverá ser encontrado o direito.
Para se encontrar o verdadeiro sentido direito, Savigny defende a possibilidade de uma interpretação objetiva, sendo que esse verdadeiro sentido é um dado histórico. A fim de alcançar esse sentido histórico, não basta reconstruir a real vontade dos autores das leis – até mesmo porque, como se viu, esse legislador do direito germânico se perdeu no passado, não está mais disponível como está.
Exemplo: o legislador francês do Código de Napoleão. Além da interpretação gramatical e lógica, faz-se necessária a interpretação histórica, que investiga a compreensão da lei no momento em que a lei existe em que ela foi criada.
2. Jurisprudência dos Conceitos
O próprio desenvolvimento da Escola Histórica resultou na chamada Jurisprudência dos Conceitos. Se o direito é buscado no trabalho desenvolvido pelos juristas, não demorou muito para a Dogmática Jurídica substituir a História do Direito como a verdadeira ciência jurídica. Em lugar de conhecer o que dispõem as várias normas, o jurista enquanto cientista do direito deve conhecer a estrutura que sustenta essas normas.
Assim, como o físico não percebe um objeto pelas suas qualidades superficiais (cor, forma, beleza etc.), mas antes pelos conceitos básicos da física (massa, peso, velocidade, aceleração), o jurista deve buscar os conceitos jurídicos que sustentam o direito. E esses se organizam em um sistema, dos mais específicos aos mais gerais:
Exemplo: um contrato de aluguel e outro de comodato são espécies de um conceito mais geral, o de contrato; os contratos e os testamentos, por sua vez, são espécies de um conceito mais geral, o de ato jurídico.
Quais são as partes em que se decompõe um ato jurídico?
Qual a conceituação de cada uma dessas partes?
Representantes da Jurisprudência dos Conceitos:
Georg Friedrich Puchta (1798-1846) e Rudolf von Ihering (1818-1892), em sua primeira fase, já que ele será mais tarde um duro crítico ao formalismo jurídico, resultado a que levou a Jurisprudência dos Conceitos. A Escola da Exegese, a Histórica do Direito e a Jurisprudência dos Conceitos conduziram a ciência do direito ao formalismo.
O formalismo jurídico atribui ao direito as seguintes características:
a) ser formado apenas por normas criadas pelas autoridades competentes, especialmente pelos órgãos legislativos, desprezando-se os costumes e a jurisprudência;
b) o direito é um sistema de normas, um sistema fechado: os aplicadores do direito (os juízes, por exemplo) não precisam recorrer a outras normas (como as morais, por exemplo) para a sua decisão;
c) os aplicadores do direito estão obrigados a recorrer às normas jurídicas, e somente às normas jurídicas, para chegar às suas decisões;
d) o sistema jurídico é dotado de unidade, coerência e completude. As normas jurídicas são normas criadas pelo Estado, no exercício da sua soberania, o que garante a unidade do sistema; o sistema jurídico contém critérios para eliminar eventuais conflitos entre normas (por exemplo, o hierárquico determina que a norma superior revoga a norma inferior), de maneira a garantir-lhe a coerência; e, em caso de lacuna (lacuna é a inexistência de uma norma que se aplique a um caso, inexistência que implica falta de solução jurídica para esse caso), estão previstos meios de integração do direito, como a analogia, por exemplo.
e) para a maioria dos autores dessas escolas, todos estão obrigados a obedecer às normas jurídicas. Para o formalismo, é irrelevante o conteúdo do que é disposto pelas normas jurídicas, é irrelevante se ela é justa ou injusta, se ela atende ou não a determinada finalidade moral. Basta que elas sejam promulgadas por órgãos que tenham competência para fazê-lo para que elas sejam normas jurídicas, lembrando sempre que essa competência é determinada por outras normas também jurídicas.
Pode-se perceber como o sistema jurídico, para o formalismo, torna-se indiferente à sociedade e aos valores sociais, o que levará muitos pensadores a criticar essa maneira de conceber o direito. Dentre as escolas que criticaram o formalismo jurídico estão a Jurisprudência dos Interesses, a Escola do Direito Livre e o pensamento de Gény.
3. Jurisprudência dos Interesses
Essa escola inspirou-se no pensamento de Rudolf von Ihering (1818-1892), mas precisamente o da segunda fase, em que critica a Jurisprudência dos Conceitos a partir de uma visão mais próxima da sociologia, em obras como “A luta pelo direito” e “A finalidade no direito”. A fim de se contrapor ao formalismo da Jurisprudência dos Conceitos, Philipp Heck (1858-1943) concebe o direito como um processo de proteção dos interesses.
As leis e as decisões judiciais resultam de interesses que existem na vida social. A ciência do direito não se limita a um acúmulo de conhecimento a respeito das normas, mas, antes, é um saber com uma finalidade, a de encontrar soluções práticas para a vida social. Em lugar do direito como uma ordenação lógica de conceitos, que acabou por isolar o direito das suas origens na sociedade, tem-se o direito vivo na sociedade.
E, para a disciplina dos interesses na vida social é fundamental a atividade do juiz, não mais limitada a uma exegese dos textos legais ou a uma arquitetura de conceitos da dogmática jurídica. A atividade dos juízes (e também a do legislador) é uma atividade de conhecimento e também de valoração.
A atividade do juiz é criadora, na medida em que desenvolve critérios axiológicos (ligados aos valores) para decidir entre os interesses em jogo, a partir da valoração já efetuada pelo legislador ao criar a lei. Com relação à hermenêutica, a escola seguiu a orientação de Ihering, privilegiando a interpretação teleológica, orientada para os fins e para os valores.
A atividade dos juízes assume um papel mais importante, pois se trata de uma atividade não limitada a uma técnica de simplesmente subsumir casos a uma norma anteriormente dada, mas os torna efetivos colaboradores do legislador na atividade de criação do direito, o que fica bastante claro no caso das lacunas, cuja existência era negada pela Jurisprudência dos Conceitos.
4. Escola do Direito Livre
Também constitui um movimento de reação ao formalismo jurídico e à Jurisprudência dos Conceitos. Sua influência se fez notar no momento de elaboração do Código Civil da Suíça, que previa que o juiz deveria criar uma norma a ser aplicada a um caso concreto sempre que se estivesse diante de uma lacuna. Seus principais representantes são Hermann Kantorowicz (1877-1940) e Eugen Ehrlich (1862-1922).
Compreensão sociológica do direito. Com base na sociologia, o juiz é livre para encontrar uma decisão, sempre que a solução prevista pela legislação for inexistente ou insatisfatória. Para chegar a uma decisão nesses casos, os juízes deveriam consultar documentos, observar a vida diretamente, verificar os usos e costumes que vigoram na sociedade, conhecer as associações que formam na vida social, mesmo aquelas ilegais!
O direito livre era considerado de maneira independente do direito estatal, uma vez que constituía o solo de onde se originava o direito estatal, razão pela qual o direito livre poderia corrigir as imperfeições do estatal e solucionar o problema das lacunas. O direito livre seria um direito mais efetivo que o próprio direito estatal.
Nesse cenário, o papel da ciência do direito se modifica, uma vez que ela não se limita a conhecer o direito criado pelo Estado, mas deve se constituir em uma atividade que leve a se descobrir o direito livre.
5. Escola da Livre Pesquisa Científica do Direito
François Gény (1861-1959) criticou a Escola da Exegese por se ater à exegeses dos textos legais. Para Gény, era preciso libertar a pesquisa da rigidez imposta pelo formalismo jurídico. Sua visão não era tão radical como a Escola do Direito Livre, uma vez que entendia a lei como um dos elementos essenciais do direito, e a lei não deveriam ser simplesmente posta de lado no momento de aplicação do direito.
Sempre se parte da lei; mas, uma vez tomada à lei e interpretada pelo jurista, se este verificar que existe uma defasagem com relação a uma nova realidade social, defasagem que não permite uma solução jurídica, o jurista deve identificar a existência de uma lacuna e procurar suprir essa lacuna por outros meios.
Para se chegar à solução do caso, deve-se proceder a uma investigação científica dos fatos sociais que constituem o caso analisado pelo juiz ou pelo jurista. Para Gény, cada fato social já traria em si mesmo uma razão que conduz à regra jurídica que deve regular esse fato – uma razão que revela a natureza desse fato. A ciência deve conhecer a realidade social (o que Gény chamava de “dado”) e, a partir da técnica própria dos juristas, chegar ao “construído”.
O próprio legislador, ao criar a lei, parte do “dado”, uma vez que o legislador não elabora as leis num vazio ou numa torre de marfim, mas sob a influência das forças e dos valores sociais, sendo que a lei irá, por sua vez, influenciar a sociedade, moldar os valores sociais. O “dado” é submetido, assim, a uma ordem de fins (ao “construído”).
Referências
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BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
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